QUALIDADE DE VIDA DE CUIDADORES DE CRIANÇAS EM IDADE PRÉ-ESCOLAR E LINGUAGEM NUM CONTEXTO DE RISCO

A Qualidade de Vida (QDV) é uma das dimensões da vida humana mais desejada e perseguida por todos ao longo do ciclo vital. Tem sido assim, objecto de investigação nas diversas áreas do conhecimento, ao longo de décadas, com o objectivo de ultrapassar as questões relacionadas com a subjectividade e ambiguidade que lhe estão adstritas, procurando defini-la em termos concretos e validando o conceito para todos os sujeitos, tendo em conta factores ecológicos.

O conceito de QDV surge como um novo vector na avaliação na área da saúde, para além das avaliações clínicas e analíticas, adoptando-se neste sentido o conceito proposto por WHOQOL Group (1994, p.28), que descreve QDV enquanto a percepção do individuo sobre a sua situação na vida, inserida no contexto dos sistemas de cultura e valores em relação aos seus objectivos, expectativas, interesses e preocupações.

Actualmente, de acordo com a revisão bibliográfica realizada acerca de estudos sobre QDV, incluindo estudos pioneiros e contemporâneos, podemos concluir que existem ainda relações não completamente clarificadas entre os conceitos de: QDV, saúde e bem-estar subjectivo. (Sousa & Sousa, 2008)

As primeiras medidas adoptadas para avaliar as variáveis mudaram desde os primeiros estudos até à actualidade, sendo que no presente as variáveis centram-se sobretudo na percepção do sujeito, generalizando ao contexto clínico onde adquire a designação Qualidade de Vida Relacionada com a Saúde (QDVRS).

De acordo a literatura, existem escalas de avaliação categorizadas em: genéricas, específicas e ultra-específicas, o que permite a adequação do instrumento à investigação/avaliação. (Fleck & col, 2008)

Saliente-se a importância da selecção do instrumento clinimétrico, pois é fundamental que este apresente validade interna, externa e que tenha sido aferido para a população alvo da avaliação, evitando deste modo o viés ao nível dos resultados, podendo desse modo comparar resultados, o que acontece com o instrumento utilizado o WHOQOL-Bref.

De acordo com Lin  & col. (2009), a administração de questionários de avaliação de QDV deveriam  fazer parte de uma bateria de avaliação, pelos benefícios que daí advêm, informando o clínico face aos aspectos que poderão ser intervencionados em relação às áreas chave: física, psicológica e social, tendo em conta o carácter de  auto-administração e rapidez com que é administrado, sendo útil na intervenção em equipa ou na referenciação a outro clínico, tendo em conta que quando comparamos os cuidadores de crianças saudáveis com aqueles que apresentam défice linguístico, os estudos relatam  a percepção de QDV inferior, designadamente ao nível das relações sociais. (Mugno, Ruta, D’Arrigo, & Mazzone, 2007)  

De acordo com Acosta & col. (2003, p.31), podemos conceber linguagem enquanto função específica do ser humano, que se apresenta complexa ao nível do seu desenvolvimento e aquisição, estando dependente de múltiplas variáveis como o desenvolvimento cognitivo, afectivo, neuropsicológico e orgânico, tendo em conta a componente ambiental ou contextual.

A propósito da influência dos factores ecológicos, actualmente é aceite que a linguagem está inserida no contexto social e a actividade verbal dos sujeitos desenvolve-se na interacção com os outros, logo podemos afirmar que as interacções desempenham um papel preponderante na aquisição e desenvolvimento da linguagem (Casanova & col., 1997, Vygotsky, 1988, Zielinski & Bradshaw, 2006), logo a QDV dos cuidadores assume particular importância.

O impacto da QDV dos cuidadores de crianças no desenvolvimento linguístico das mesmas, surge como um importante vector na compreensão deste fenómeno, Hage e Ferreira (2006), referem ser consensual afirmar que a linguagem está ligada a um dado contexto histórico, social e cultural. A linguagem enquanto processo, depende de factores biológicos, cognitivos, psicossociais e ambientais, implicando inter-relação na comunicação com  os outros, envolvendo o papel social, motivação e aspectos não verbais referentes à interacção, implicando capacidades metalinguísticas, ou seja, compreensão e reflexão sobre a própria língua.

Se tivermos em conta que o défice linguístico em crianças vítimas de maus-tratos é superior ao das restantes crianças (Westby, 2007; Magalhães, 2010; Lowenthal 2001 cit. in Moreira, 2007; Manso & col., 2010; Peterson, 2009, Sousa, 2010), nesta circunstância a atenção dada à QDV dos cuidadores será fundamental no sentido de promover com isto mudanças não só ao nível do cuidador, mas igualmente ao nível do desenvolvimento da criança, modificando deste modo o funcionamento do sistema familiar, de acordo com o modelo bioecológico. (Bronfenbrenner & Evans, Zielinski & Bradshaw, 2006)

Face aos cuidadores e à sua interacção com as crianças, salientamos a importância da qualidade e quantidade da interacção no desenvolvimento linguístico das crianças, aspecto influenciado pelas condições sociais e varáveis contextuais presentes no agregado. (Clegg & Ginsborg, 2006, Rollins, 2003)  

Tendo em conta estes pressupostos podemos colocar a hipótese que pais com melhor QDV são pais que apresentam um padrão de interacção mais favorecedor do desenvolvimento de linguagem dos seus filhos, uma vez que à partida poderão ser mais sensíveis e contingentes às iniciativas dos seus filhos, estilos parentais esses que favorecem a linguagem

Green, Furrer & McAllister (2007) sugerem a existência de uma relação entre maior suporte social/menor ansiedade percebida e estilo de interacção parental positivo/ estilo de vinculação securizante, logo promotor de desenvolvimento harmonioso da criança, o que indirectamente está associado à percepção de saúde e bem-estar, pois a uma menor QDV do cuidador estará associado uma menor probabilidade de estilo parental positivo.

Numa investigação recente (Manning, Homel & Smith, 2010), demonstrou-se a importância da implementação de programas de prevenção ao nível da intervenção precoce envolvendo crianças e famílias, pelo impacto que os mesmo revelam ao nível da QDV.

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